domingo, 16 de agosto de 2009

Mais uma face do terror





3 de outubro de 2001




ALERTA GERAL
Um operador de negócios em Nova York mantém ao alcance da mão a sua máscara contra gases tóxicos e substâncias radioativas. O acessório de proteção também está sendo distribuído à população de Israel

Um espectro ronda a América: o de um ataque químico ou biológico. Infelizmente, ele ultrapassa o campo da paranóia. Desde os atentados aéreos ao Pentágono e ao World Trade Center, em 11 de setembro, os cenários mais improváveis passaram a ocupar o terreno do possível. O alarme soou depois que o FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, descobriu que um dos terroristas suicidas, Mohamed Atta, recolhera informações sobre o funcionamento de aviões normalmente usados na pulverização de venenos agrícolas. Para completar o quadro preocupante, nos pertences de alguns deles foram encontrados formulários para a obtenção de carteiras de motorista especiais. Esses documentos lhes permitiriam dirigir caminhões carregados com produtos químicos. O medo dos americanos fez com que disparasse a venda de máscaras NBC – que dão proteção parcial contra gases tóxicos e microorganismos e impedem o contato com ar contaminado por radioatividade. Fora dos Estados Unidos, o temor também é grande. Em Israel, um dos alvos preferenciais do terror islâmico, o Exército está distribuindo máscaras à população, tal como aconteceu durante a Guerra do Golfo, em 1991.

Há tempos a hipótese de um grande ataque com gases ou germes faz parte do universo dos especialistas em terrorismo. Assim como a de um atentado com armas nucleares. Não é roteiro de filme: ogivas estocadas na empobrecida Rússia ou em um país politicamente instável, como o Paquistão, podem cair nas mãos de um grupo extremista. Os terroristas islâmicos representam a maior ameaça nesse sentido pela simples razão de que não têm nada a perder. Como explica o americano Jonathan B. Tucker, editor do livro Assessing Terrorist Use of Chemical and Biological Weapons (Avaliação do Uso Terrorista de Armas Químicas e Biológicas), organizações com uma agenda política e ideológica definidas dificilmente utilizariam arsenais de destruição maciça. Sua violência é, por assim dizer, mais bem calibrada, direcionada a alvos limitados e específicos. Com isso, não angariam uma antipatia universal à sua causa e não detonam uma repressão mais severa por parte dos governos. Já fanáticos, como os seguidores do saudita Osama bin Laden, só têm contas a prestar a um Deus vingativo ou algo que o valha. O confronto é com a humanidade que pensa de forma diferente da deles e, por isso mesmo, na sua visão ensandecida, merece ser destruída de qualquer forma.

Uma antevisão desse inferno ocorreu em 1995. No dia 20 de março daquele ano, integrantes da seita japonesa Aum Shirinkyo embarcaram em trens de cinco linhas diferentes do metrô de Tóquio. Cada um levava uma lancheira e um guarda-chuva. Ao chegar a estações perto do centro da cidade, furaram as lancheiras com a ponta dos guarda-chuvas e desembarcaram, deixando-as para trás. Dentro delas havia ampolas com sarin, um tipo de gás paralisante dos mais perigosos que existem. As cenas que se seguiram foram de horror. Nas calçadas perto das estações, centenas de pessoas sofriam convulsões e sangravam pelo nariz, à espera de atendimento médico. O saldo final foi de doze mortos e 5.000 feridos.

O arsenal de armas químicas inclui gases, líquidos, aerossóis e pós venenosos. Elas começaram a ser usadas durante a I Guerra e estima-se que tenham provocado a morte de cerca de 100.000 soldados. O produto que marcou a época foi o gás mostarda, que destrói as mucosas. Durante a Guerra Fria, Estados Unidos, União Soviética e vários outros países estocaram grandes quantidades de substâncias tóxicas. Ao longo da década de 80, o Iraque lançou gases como o sarin, o tabun e o mostarda sobre tropas do inimigo Irã. A minoria curda também foi alvo da sanha iraquiana. Mais de 125 nações assinaram em 1993 um acordo que proíbe a fabricação de armas químicas e prevê a eliminação total dos arsenais existentes até 2007. Mas muitos países que as têm se recusaram a firmar o documento. Entre eles, Iraque, Líbia, Síria e Coréia do Norte, que abrigam e dão apoio a grupos terroristas.


Armas biológicas

ANTHRAX – Infecção provocada pela bactéria Bacillus anthracis. Adquirida por via respiratória, oral ou cutânea, é letalíssima. Origina-se de uma doença do gado comum no século XIX

VARÍOLA – Doença infecciosa de alto contágio erradicada na década de 70. Alguns países querem ressuscitá-la como arma química. É fatal em 20% a 30% dos casos
PESTE – Infecção causada por bactérias do gênero Yersinia. Seus vetores costumam ser insetos ou ratos. As principais variedades são a bubônica e a pneumônica. Sem tratamento adequado, podem matar em três dias

As armas biológicas são microorganismos que causam doenças mortais ou incapacitantes. Podem ser também toxinas extraídas de animais e plantas ou sintetizadas em laboratório. O primeiro e único país a usá-las foi o Japão, na guerra contra a China, nos anos 30. O Exército japonês tinha até uma divisão especializada nesse tipo de recurso, a Unidade 731, que lançava mão de expedientes traiçoeiros. Numa ocasião, 3.000 prisioneiros chineses foram libertados sem mais nem menos. Era uma armadilha. Antes de saírem da prisão, eles haviam sido infectados com a bactéria da febre tifóide, o que acabou ocasionando uma epidemia na China. Em 1942, o governo japonês fez chegar à província chinesa de Nanquim uma partida de chocolates contaminados com anthrax, a mais temida das armas biológicas (veja quadro acima). Até hoje, não há registro de ataques desse tipo perpetrados por terroristas.

Os compostos empregados nas armas químicas não são difíceis de ser criados. Mas para causar mortes em larga escala seriam necessárias enormes quantidades de substâncias. Um estudo divulgado na semana passada, em Washington, mostra que terroristas levariam dezoito anos de trabalho ininterrupto para produzir artesanalmente 2 toneladas de sarin, quantidade mínima para matar 10.000 pessoas. Eles também encontrariam muita dificuldade na hora de espalhar gases letais e afins. Lançá-los de um avião pulverizador de inseticida acarretaria a perda de cerca de 90% do veneno, em virtude da dispersão pelo vento e de outros fatores ambientais. Para provocar a morte de milhares de pessoas, é necessário ter bombas especialmente desenvolvidas para esse fim e uma esquadrilha de aviões para atirá-las. Com as armas biológicas ocorre o oposto. Bactérias e vírus colocados na caixa-d'água de um prédio ou no reservatório de uma cidade podem acarretar milhares de mortes. Também é simples espargi-los com pequenos aviões. Produzir microorganismos em laboratório, no entanto, é complicadíssimo. A seita Aum Shinrikyo, responsável pelo atentado com sarin no metrô de Tóquio, fabricou o gás ela própria, já que contava com vários cientistas entre seus seguidores. Os fanáticos japoneses, no entanto, não foram capazes de criar armas biológicas, embora tivessem feito várias tentativas.


AFP
ESTADO TERRORISTA
Várias bombas iraquianas que continham gases tóxicos foram destruídas após a Guerra do Golfo. Suspeita-se, no entanto, que o país de Saddam Hussein tenha voltado a fabricar esses armamentos

O grande perigo, assim, é aquele que foi levantado pelo vice-secretário de Defesa dos Estados Unidos, Paul Wolfowitz, durante uma reunião da Otan na quarta-feira passada: que algum país que apóie o terrorismo municie grupos extremistas. Na época da Guerra do Golfo, a CIA avaliava que o Iraque do ditador Saddam Hussein possuía em torno de 150 toneladas de sarin e 400 toneladas de gás mostarda, além de mísseis desenvolvidos especialmente para lançá-los contra alvos militares e civis. Grande parte desse arsenal foi destruída nos bombardeios americanos, mas existe a suspeita de que os iraquianos tenham voltado a fabricar essas substâncias. Outro dado preocupante é o estoque de armas biológicas ainda existente na Rússia e em ex-repúblicas soviéticas. Sabe-se que os comunistas produziram quantidades formidáveis de anthrax. Em um de seus laboratórios, localizado em Sverdlovsk (hoje Ekaterinburgo), houve um acidente em 1979 que matou pelo menos 68 pessoas. Estima-se que a União Soviética tenha produzido, durante a Guerra Fria, algo em torno de 350.000 toneladas de agentes químicos e biológicos, contra 40.000 dos Estados Unidos. É impossível saber com certeza quanto desse arsenal foi desativado. Em mãos erradas, tais armas poderiam engendrar pesadelos tão traumatizantes quanto a tragédia de 11 de setembro.


Armas químicas

GÁS MOSTARDA – É um composto à base de enxofre que provoca danos nas mucosas do corpo. Em altas concentrações, pode levar à cegueira e à morte. Vem sendo usado desde a I Guerra Mundial

ALERTA GERAL
Um operador de negócios em Nova York mantém ao alcance da mão a sua máscara contra gases tóxicos e substâncias radioativas. O acessório de proteção também está sendo distribuído à população de Israel

Um espectro ronda a América: o de um ataque químico ou biológico. Infelizmente, ele ultrapassa o campo da paranóia. Desde os atentados aéreos ao Pentágono e ao World Trade Center, em 11 de setembro, os cenários mais improváveis passaram a ocupar o terreno do possível. O alarme soou depois que o FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, descobriu que um dos terroristas suicidas, Mohamed Atta, recolhera informações sobre o funcionamento de aviões normalmente usados na pulverização de venenos agrícolas. Para completar o quadro preocupante, nos pertences de alguns deles foram encontrados formulários para a obtenção de carteiras de motorista especiais. Esses documentos lhes permitiriam dirigir caminhões carregados com produtos químicos. O medo dos americanos fez com que disparasse a venda de máscaras NBC – que dão proteção parcial contra gases tóxicos e microorganismos e impedem o contato com ar contaminado por radioatividade. Fora dos Estados Unidos, o temor também é grande. Em Israel, um dos alvos preferenciais do terror islâmico, o Exército está distribuindo máscaras à população, tal como aconteceu durante a Guerra do Golfo, em 1991.

Há tempos a hipótese de um grande ataque com gases ou germes faz parte do universo dos especialistas em terrorismo. Assim como a de um atentado com armas nucleares. Não é roteiro de filme: ogivas estocadas na empobrecida Rússia ou em um país politicamente instável, como o Paquistão, podem cair nas mãos de um grupo extremista. Os terroristas islâmicos representam a maior ameaça nesse sentido pela simples razão de que não têm nada a perder. Como explica o americano Jonathan B. Tucker, editor do livro Assessing Terrorist Use of Chemical and Biological Weapons (Avaliação do Uso Terrorista de Armas Químicas e Biológicas), organizações com uma agenda política e ideológica definidas dificilmente utilizariam arsenais de destruição maciça. Sua violência é, por assim dizer, mais bem calibrada, direcionada a alvos limitados e específicos. Com isso, não angariam uma antipatia universal à sua causa e não detonam uma repressão mais severa por parte dos governos. Já fanáticos, como os seguidores do saudita Osama bin Laden, só têm contas a prestar a um Deus vingativo ou algo que o valha. O confronto é com a humanidade que pensa de forma diferente da deles e, por isso mesmo, na sua visão ensandecida, merece ser destruída de qualquer forma.

Uma antevisão desse inferno ocorreu em 1995. No dia 20 de março daquele ano, integrantes da seita japonesa Aum Shirinkyo embarcaram em trens de cinco linhas diferentes do metrô de Tóquio. Cada um levava uma lancheira e um guarda-chuva. Ao chegar a estações perto do centro da cidade, furaram as lancheiras com a ponta dos guarda-chuvas e desembarcaram, deixando-as para trás. Dentro delas havia ampolas com sarin, um tipo de gás paralisante dos mais perigosos que existem. As cenas que se seguiram foram de horror. Nas calçadas perto das estações, centenas de pessoas sofriam convulsões e sangravam pelo nariz, à espera de atendimento médico. O saldo final foi de doze mortos e 5.000 feridos.

O arsenal de armas químicas inclui gases, líquidos, aerossóis e pós venenosos. Elas começaram a ser usadas durante a I Guerra e estima-se que tenham provocado a morte de cerca de 100.000 soldados. O produto que marcou a época foi o gás mostarda, que destrói as mucosas. Durante a Guerra Fria, Estados Unidos, União Soviética e vários outros países estocaram grandes quantidades de substâncias tóxicas. Ao longo da década de 80, o Iraque lançou gases como o sarin, o tabun e o mostarda sobre tropas do inimigo Irã. A minoria curda também foi alvo da sanha iraquiana. Mais de 125 nações assinaram em 1993 um acordo que proíbe a fabricação de armas químicas e prevê a eliminação total dos arsenais existentes até 2007. Mas muitos países que as têm se recusaram a firmar o documento. Entre eles, Iraque, Líbia, Síria e Coréia do Norte, que abrigam e dão apoio a grupos terroristas.


Armas biológicas

ANTHRAX – Infecção provocada pela bactéria Bacillus anthracis. Adquirida por via respiratória, oral ou cutânea, é letalíssima. Origina-se de uma doença do gado comum no século XIX

VARÍOLA – Doença infecciosa de alto contágio erradicada na década de 70. Alguns países querem ressuscitá-la como arma química. É fatal em 20% a 30% dos casos
PESTE – Infecção causada por bactérias do gênero Yersinia. Seus vetores costumam ser insetos ou ratos. As principais variedades são a bubônica e a pneumônica. Sem tratamento adequado, podem matar em três dias

As armas biológicas são microorganismos que causam doenças mortais ou incapacitantes. Podem ser também toxinas extraídas de animais e plantas ou sintetizadas em laboratório. O primeiro e único país a usá-las foi o Japão, na guerra contra a China, nos anos 30. O Exército japonês tinha até uma divisão especializada nesse tipo de recurso, a Unidade 731, que lançava mão de expedientes traiçoeiros. Numa ocasião, 3.000 prisioneiros chineses foram libertados sem mais nem menos. Era uma armadilha. Antes de saírem da prisão, eles haviam sido infectados com a bactéria da febre tifóide, o que acabou ocasionando uma epidemia na China. Em 1942, o governo japonês fez chegar à província chinesa de Nanquim uma partida de chocolates contaminados com anthrax, a mais temida das armas biológicas (veja quadro acima). Até hoje, não há registro de ataques desse tipo perpetrados por terroristas.

Os compostos empregados nas armas químicas não são difíceis de ser criados. Mas para causar mortes em larga escala seriam necessárias enormes quantidades de substâncias. Um estudo divulgado na semana passada, em Washington, mostra que terroristas levariam dezoito anos de trabalho ininterrupto para produzir artesanalmente 2 toneladas de sarin, quantidade mínima para matar 10.000 pessoas. Eles também encontrariam muita dificuldade na hora de espalhar gases letais e afins. Lançá-los de um avião pulverizador de inseticida acarretaria a perda de cerca de 90% do veneno, em virtude da dispersão pelo vento e de outros fatores ambientais. Para provocar a morte de milhares de pessoas, é necessário ter bombas especialmente desenvolvidas para esse fim e uma esquadrilha de aviões para atirá-las. Com as armas biológicas ocorre o oposto. Bactérias e vírus colocados na caixa-d'água de um prédio ou no reservatório de uma cidade podem acarretar milhares de mortes. Também é simples espargi-los com pequenos aviões. Produzir microorganismos em laboratório, no entanto, é complicadíssimo. A seita Aum Shinrikyo, responsável pelo atentado com sarin no metrô de Tóquio, fabricou o gás ela própria, já que contava com vários cientistas entre seus seguidores. Os fanáticos japoneses, no entanto, não foram capazes de criar armas biológicas, embora tivessem feito várias tentativas.
O grande perigo, assim, é aquele que foi levantado pelo vice-secretário de Defesa dos Estados Unidos, Paul Wolfowitz, durante uma reunião da Otan na quarta-feira passada: que algum país que apóie o terrorismo municie grupos extremistas. Na época da Guerra do Golfo, a CIA avaliava que o Iraque do ditador Saddam Hussein possuía em torno de 150 toneladas de sarin e 400 toneladas de gás mostarda, além de mísseis desenvolvidos especialmente para lançá-los contra alvos militares e civis. Grande parte desse arsenal foi destruída nos bombardeios americanos, mas existe a suspeita de que os iraquianos tenham voltado a fabricar essas substâncias. Outro dado preocupante é o estoque de armas biológicas ainda existente na Rússia e em ex-repúblicas soviéticas. Sabe-se que os comunistas produziram quantidades formidáveis de anthrax. Em um de seus laboratórios, localizado em Sverdlovsk (hoje Ekaterinburgo), houve um acidente em 1979 que matou pelo menos 68 pessoas. Estima-se que a União Soviética tenha produzido, durante a Guerra Fria, algo em torno de 350.000 toneladas de agentes químicos e biológicos, contra 40.000 dos Estados Unidos. É impossível saber com certeza quanto desse arsenal foi desativado. Em mãos erradas, tais armas poderiam engendrar pesadelos tão traumatizantes quanto a tragédia de 11 de setembro.


Armas químicas

GÁS MOSTARDA – É um composto à base de enxofre que provoca danos nas mucosas do corpo. Em altas concentrações, pode levar à cegueira e à morte. Vem sendo usado desde a I Guerra Mundial

VX – Gás paralisante à base de fósforo. Provoca dor de cabeça, náuseas e convulsões. Em pouco tempo a vítima entra em coma e pode morrer. O Iraque é suspeito de ainda possuir reservatórios desse gás
SARIN – Gás paralisante que ficou famoso por ter sido usado no único atentado terrorista com armas químicas da História, em 1995, no metrô de Tóquio. Sua composição é semelhante à do VX, e os efeitos também

FOTO
ESTADO TERRORISTA
Várias bombas iraquianas que continham gases tóxicos foram destruídas após a Guerra do Golfo. Suspeita-se, no entanto, que o país de Saddam Hussein tenha voltado a fabricar esses armamentos

http://veja.abril.com.br/031001/p_088.html

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