quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Ele tem sucessor..........!
3 de outubro de 2001
A captura e o julgamento de Osama bin Laden seriam decisivos para aplacar o sentimento de afronta que os americanos experimentaram depois dos ataques a Nova York e Washington. Mas, restringindo o alvo da caçada apenas a Laden, não se iria muito longe na meta de desmantelar o terrorismo que elegeu os Estados Unidos como o altar de sacrifícios de sua guerra santa. Carismático para os fundamentalistas, que o elegeram como herói festejado em diversas comunidades, Laden é só o rosto mais conhecido da organização Al Qaeda, apontada como responsável pelo lançamento dos três Boeing contra o Pentágono e as torres do World Trade Center. Ao lado de Laden, há pelo menos dois outros líderes, tão ou mais perigosos que o barbudo de olhos meigos e sorriso tímido que se tornou o maior símbolo vivo do mal nas últimas semanas. Um é Muhamed Atif, encarregado de assuntos militares da Al Qaeda, um egípcio cujo retrato na página de procurados do FBI está focado apenas o suficiente para que seja reconhecido. Atif poderá ser sucessor de Laden, um dia, mas só se algo acontecer ao verdadeiro cérebro da Al Qaeda, o também egípcio Ayman al-Zawahiri. Foi ele quem avisou os EUA de que haveria uma resposta ao bombardeio de posições terroristas por forças americanas no Afeganistão, em 1998, na represália aos atentados em embaixadas na África. "A guerra começou", afirmou num telefonema a um repórter do Paquistão. "Os americanos podem esperar nossa resposta."
Zawahiri tem 50 anos. É cirurgião pediátrico formado pela Universidade do Cairo, descende de tradicional família egípcia ligada à medicina e, até o dia em que fechou repentinamente seu consultório no bairro de classe média de Maadi, no Cairo, era considerado um homem retraído, de fala mansa e gestos polidos. Na época, 1984, foi preso e interrogado sob a acusação de ter participado do assassinato do presidente Anuar Sadat, três anos antes. Solto, por falta de provas, desapareceu do Egito e assumiu, na clandestinidade, sua condição de sócio-fundador do grupo extremista Al-Jihad, que ainda hoje pratica atentados naquele país. A vida de Zawahiri no exílio segue um guia turístico do terrorismo internacional. Esteve no Sudão, onde iniciou intercâmbio com vários outros extremistas islâmicos, mudou-se para a Somália, preparando atentados que aguçaram sua capacidade de montar armadilhas com explosivos, passou pelo Paquistão, exercendo a atividade médica entre feridos da guerra do Afeganistão contra os soviéticos, e visitou várias vezes a Arábia Saudita. "A experiência dele é muito mais ampla que a de Laden", disse ao The New York Times o especialista egípcio em terrorismo Dia'a Rashwan. "Praticamente todos os casos envolvendo extremistas islâmicos nas últimas décadas têm alguma relação com ele."
O médico se tornou um estrategista. Nos países árabes, montou uma rede de apoio junto a investidores com negócios legais que já reúne mais de 130 contribuintes. Destes, 65 possuem negócios ou subsidiárias em território americano. Isso tem facilitado a presença de terroristas dentro dos Estados Unidos com vistos absolutamente legais, como funcionários dessas companhias. O próprio Zawahiri, usando um de seus outros nomes – Abu Muhamed, Abu Fatima, Muhamed Ibrahim, Abu Abdallah ou Abu al-Mu'iz –, pode ter obtido um green card, o cartão de identificação de imigrante legalizado nos EUA, segundo investigadores que tentam reconstituir sua biografia. O governo do Egito encontrou pistas dele, ao longo dos anos 90, em lugares como Genebra e Copenhague. Na Dinamarca, ele teria editado um jornal para extremistas islâmicos. Durante todo esse percurso, "o doutor" ou "o professor", como é tratado muitas vezes pelos companheiros, foi compondo uma rede de apoio a várias organizações. Não foi por acaso que parte dos autores dos atentados realizados três semanas atrás passou pela cidade alemã de Hamburgo. Lá vivem 80.000 muçulmanos. A polícia do país diz que 2.450 estão ligados a grupos terroristas.
Desde que se juntou a Laden, na década de 90, Zawahiri é o planejador da Al Qaeda. Foi ele quem desenvolveu a teoria de que há atentados que não devem ter sua autoria reivindicada pelo grupo executor. Nesses casos, além de provocar mortes e pânico, os atos têm também o objetivo de confundir os investigadores e deixá-los em situação difícil diante da opinião pública de seus países. A estratégia já se popularizou e dá resultado a ponto de semear dúvidas como as que levam autoridades européias a exigir dos Estados Unidos as chamadas provas concretas da atuação de Laden nos episódios do Pentágono e do World Trade Center. Outra tática atribuída ao médico terrorista, esta desenvolvida em sociedade com Muhamed Atif, é manter militantes adormecidos em outros países até o dia em que podem ser utilizados em determinadas ações. São essas táticas que estão tornando um inferno a vida do vice-diretor do FBI, Tom Pickard, o homem encarregado de montar o quebra-cabeça escondido nos destroços dos atentados. A lista de supostos seqüestradores, que tinha dezenove nomes um dia depois dos atentados, pode encolher para dezesseis. Apenas sobre três deles – Mohamed Atta, Marwan al-Shehhi e Ziad Jarrahi, cada um num vôo diferente – as certezas eram absolutas.
Em Nova York, a sede local do FBI, a oito quadras das torres gêmeas, foi um dos locais atingidos pelo colapso dos telefones logo depois dos atentados. Os agentes chegaram a imaginar que poderiam ser o próximo alvo dos terroristas. Por isso, os trabalhos foram transferidos para uma oficina mecânica das imediações. Em algumas horas, foram instaladas 300 linhas telefônicas, para que funcionários de 25 diferentes agências governamentais pudessem trabalhar lado a lado. Três dos homens apontados como terroristas já vinham sendo investigados anteriormente e um tinha sido até filmado em Kuala Lumpur, na Malásia, junto com extremistas que participaram do atentado ao destróier Cole, no Iêmen, um ano atrás. Mas os avanços apareceram no fim da semana passada. Primeiro, a rede de televisão ABC entrevistou um desertor da Al Qaeda que contou ter sido treinado com dezenove pessoas em campos do Afeganistão para missões parecidas com as realizadas há três semanas. Depois, soube-se que mais de 300 suspeitos foram detidos em vários países com base em informações enviadas pelos Estados Unidos. Mas isso pouco adianta, segundo o raciocínio de especialistas. Um guerrilheiro disposto a morrer por sua causa não tem nenhuma razão para revelar segredos ao ser preso. Mais surpreendente ainda foi a divulgação, feita pelo jornalista Bob Woodward, do Washington Post, de que o FBI achou um manual de procedimentos que o seqüestrador Mohamed Atta abandonou numa bolsa deixada no Aeroporto Logan, em Boston. O texto, em árabe, mistura um guia de viagem com uma cartilha do crime. Diz, por exemplo: "Cheque sua bolsa, suas roupas, facas, documentos". E recomenda: "Quando entrar no avião, (reze) 'Oh, Deus, abra todas as portas para mim'. (...) A Deus nós voltaremos".
O difícil, para os investigadores, é estabelecer ligação entre os recursos que os terroristas usaram nos EUA e as fontes tradicionalmente ligadas ao financiamento dos grupos islâmicos. Já se sabe que, antes de partir para a missão suicida, vários deles remeteram dinheiro que ainda tinham para instituições de outros países. Também estão sendo rastreadas as contas de um cartão de crédito que pagou algumas das passagens aéreas e automóveis alugados. O congelamento de 27 contas bancárias teve pouco impacto nos EUA, mas seu desdobramento, mundo afora, vai causar danos reais ao patrimônio do terrorismo. No Paquistão, três contas foram congeladas. Com o aperto sobre os extremistas, os EUA criaram um quadro em que a eventual rendição de Laden, sozinho, seria uma estrondosa vitória diante da opinião pública sem os resultados práticos correspondentes. Nessa hipótese, o dinheiro do terror continuaria intocado, as frentes extremistas se manteriam vivas e, o pior, escaparia do cerco o médico Ayman al-Zawahiri, subitamente promovido e à frente de uma organização que já treinou mais de 1.000 soldados do terror.
FOTOS:
01-O MÉDICO É UM MONSTRO
Um dos únicos retratos conhecidos do médico Ayman al-Zawahiri (à dir.): sócio-fundador do Al-Jihad egípcio, acusado pela morte do presidente Anuar Sadat, experiente na fabricação de bombas e grande estrategista do terrorismo fundamentalista islâmico. Laden entra com o carisma, um segundo extremista cuida das ações militares e ele planeja os grandes atentados e articula uma rede de apoio que tem mais de 130 contribuintes nos países árabes
02-HERÓI DO AVESSO
Para os islâmicos fundamentalistas, o terror de Laden e sua Al Qaeda tem sabor de vingança
http://veja.abril.com.br/031001/p_094.html
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