domingo, 16 de agosto de 2009
Combater o terrorismo
Christopher Bennett analisa a forma como a Aliança aperfeiçoou a sua contribuição para a luta contra o terrorismo e compara o actual debate sobre a reforma da OTAN com o de há uma década atrás.
Teve lugar uma atrocidade duma dimensão e dum nível de barbaridade que horrorizou o mundo inteiro e que, na perspectiva da OTAN, provocou uma mudança fundamental na forma como a Aliança operava e no tipo de tarefas que efectuava. Esta atrocidade foi o massacre de Srebrenica de Julho de 1995.
O terreno para o papel alargado da OTAN na Bósnia-Herzegovina tinha sido preparado nos anos anteriores em documentos internos da Aliança bem como em acordos com as Nações Unidas e a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa. Contudo, antes do massacre de Srebrenica, os Aliados tinham continuado relutantes em dar o passo lógico seguinte e em lançar o tipo de intervenção que poderia pôr fim à guerra.
Depois de Srebrenica, em que possivelmente 8.000 homens e rapazes muçulmanos bósnios foram sumariamente executados por forças sérvias bósnias, a atitude da comunidade internacional contra os sérvios bósnios endureceu. Menos de dois meses depois do massacre, a OTAN efectuou a sua primeira campanha aérea, que levou à assinatura dum acordo de paz para pôr fim a mais de três anos e meio de combates. Em Dezembro desse mesmo ano, a OTAN dirigia uma missão de manutenção da paz na Bósnia-Herzegovina e proporcionava a segurança necessária para o enraizamento dum processo de paz.
Os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 tiveram um impacto ainda maior no pensamento estratégico da Aliança que o massacre de Srebrenica. No dia seguinte ao desvio e lançamento de aviões comerciais de passageiros contra o World Trade Center em Nova Iorque e o Pentágono em Washington, os Aliados responderam invocando o Artigo 5º do Tratado de Washington pela primeira vez na história da Aliança. E, ao considerar que um ataque terrorista por um interveniente que não era um Estado deveria implicar a obrigação de defesa mútua colectiva da OTAN, a Aliança tinha, com efeito, decidido por si própria fazer do combate ao terrorismo uma missão permanente da OTAN.
Abordagem abrangente
Desde então, as autoridades políticas e militares da OTAN reuniram os elementos necessários para uma abordagem abrangente do terrorismo pela Aliança, que poderá ter implicações semelhantes a longo prazo para a forma como a OTAN funciona. No aspecto político, o Conselho do Atlântico Norte decidiu que a OTAN deve estar preparada para ajudar a dissuadir, defender, eliminar e proteger contra ataques terroristas vindos de fora, quando e onde seja necessário. Deve estar preparada para ajudar as autoridades nacionais a enfrentar as consequências de ataques. E, numa base caso a caso, a Aliança deve ponderar a hipótese de proporcionar os seus meios e capacidades para apoiar operações, inclusive contra o terrorismo, realizadas por ou em cooperação com a União Europeia ou outras organizações ou coligações internacionais envolvendo os Aliados. No aspecto militar, a OTAN tem agora um conceito militar para a defesa contra o terrorismo, para o qual as autoridades militares da Aliança estão agora a desenvolver um conceito de operações para a sua implementação.
Tais medidas têm sido claramente do interesse a longo prazo da Aliança pois a sua relevância é cada vez mais medida pela sua contribuição para a luta contra o terrorismo. De facto, se a Aliança não tivesse sido capaz ou não tivesse querido contribuir para enfrentar os desafios representados pelo terrorismo e pelas armas de destruição maciça, teria corrido o risco de se afastar da agenda de segurança dos EUA e, em consequência, deixado de ser uma organização eficaz.
É um facto que o que a Aliança estava a fazer antes do 11/9 - reconstruir Estados enfraquecidos na ex-Jugoslávia, construir parcerias com a Rússia, com outros antigos adversários de Leste e com países da região mediterrânica em sentido lato, bem como expandir a zona de estabilidade da Europa integrando mais países ma Aliança - era extremamente relevante para a segurança euro-atlântica e continua a ser igualmente relevante hoje em dia.
Além disso, mesmo antes do 11/9, a Aliança estava a começar a enfrentar com determinação o desafio do terrorismo. O Conceito Estratégico que os dirigentes da OTAN aprovaram na Cimeira de Washington em 1999 incluía a seguinte referência: "A segurança da Aliança deve também ter em conta o contexto global. Os interesses de segurança da Aliança podem ser afectados por outros riscos de natureza mais vasta, incluindo actos de terrorismo, sabotagem e crime organizado, e pela ruptura do abastecimento de recursos vitais."
Contudo, apesar desta constatação, a Aliança deu ao terrorismo uma atenção colectiva relativamente pequena. Isto deveu-se largamente a não haver consenso sobre o papel da OTAN face ao que era visto pela maior parte dos Aliados como problemas de segurança interna. Em consequência, houve pouco ou nenhum debate continuado sobre a natureza do terrorismo, as suas fontes, ou as suas implicações para os conceitos, políticas, estruturas ou capacidades da Aliança.
Mas o 11/9 transformou o terrorismo, que era essencialmente uma preocupação interna de aplicação da lei, num problema de segurança internacional que, para ser adequadamente enfrentado, exige uma vasta gama de medidas políticas, económicas e de aplicação da lei, bem como envolvimento militar.
A primeira medida na resposta da OTAN foi a invocação do Artigo 5º. Mas, depois deste acto sem precedentes, a contribuição inicial dos Aliados para a campanha dirigida pelos EUA contra a Al Qaeda e os Taliban no Afeganistão foi modesta (para detalhes do apoio inicial da OTAN, ver o artigo Ajudar a América no número do Inverno de 2001 da Notícias da OTAN). Contudo, no período de intervenção, os Aliados desempenharam um papel crescentemente significativo. De facto, 14 países da OTAN destacaram forças para o Afeganistão.
A OTAN tem agora um conceito militar para a defesa contra o terrorismo
Na sua reunião em Reiquejavique em Maio do ano passado, os ministros dos estrangeiros da OTAN acordaram que: "Para executar toda a gama das suas missões, a OTAN deve poder reunir forças capazes de se deslocarem rapidamente para onde quer que sejam necessárias, manter operações a distância e prolongadas, e atingir os seus objectivos". Desde então, a OTAN tem começado a dar apoio aos países, actualmente a Alemanha e a Holanda, que estão a dirigir a Força Internacional de Ajuda à Segurança no Afeganistão. E, na Cimeira de Praga, os dirigentes da OTAN aprovaram um extenso conjunto de medidas e iniciativas, que podem ser, praticamente todas elas, consideradas como concebidas para combater o terrorismo.
Agenda da reforma
A nova iniciativa sobre capacidades da OTAN, o Compromisso de Capacidades de Praga (PCC), está concebida para melhorar, entre outras coisas, as capacidades da Aliança relacionadas com o terrorismo e, duma forma geral, para assegurar que as forças armadas europeias estejam equipadas para se deslocar mais rapidamente e para mais longe, para aplicar força militar com mais eficácia e para subsistirem por si próprias em combate. Inclui os seguintes oito domínios: defesa contra armas químicas, biológicas, radiológicas e nucleares; informações, vigilância e aquisição de alvos; vigilância ar-solo; comando, controlo e comunicações; eficácia em combate, incluindo munições guiadas com precisão e supressão das defesas aéreas inimigas; transporte estratégico aéreo e marítimo; reabastecimento em voo; e unidades destacáveis de apoio táctico e de apoio de forças em combate.
Uma vez implementado, o PCC deverá, pelo menos, quadruplicar o número de grandes aviões de transporte na Europa, passando de 4 para 16 e possivelmente mais. Também aumentará significativamente a capacidade de reabastecimento em voo dos membros europeus da OTAN ao, entre outras iniciativas, criar uma frota de 10 a 15 aviões tanques. E aumentará em 40% até 2007 o número de munições ar-solo guiadas com precisão da OTAN, não pertencentes aos EUA.
Outra iniciativa de Praga, a Força de Reacção da OTAN, que deverá ter uma capacidade operacional inicial até Outubro de 2004, é concebida para dar à Aliança uma nova capacidade para responder rapidamente a uma emergência, para ir para onde for necessário, e para actuar em força. E a Estrutura de Comando Militar da OTAN está em transformação, incluindo a criação dum comando estratégico nos Estados Unidos responsável pela transformação permanente das capacidades militares da Aliança.
O conjunto de medidas de Praga também inclui um Plano de Acção do Planeamento Civil de Emergência para ajudar as autoridades nacionais a melhorar a sua preparação civil; os seus mecanismos de partilha e avaliação de informações; os seus mecanismos de resposta a crises, incluindo um novo conceito de defesa aérea para enfrentar aviões "desviados", para que haja procedimentos em vigor para evitar uma repetição do 11/9; mecanismos racionalizados para destacar aviões AWAC para onde sejam necessários; e aumento da cooperação com os Parceiros, com um Plano de Acção da Parceria contra o Terrorismo (ver o artigo Colaborar com os Parceiros para combater o terrorismo de Osman Yavuzalp neste número da Notícias da OTAN).
Além disso, os dirigentes da Aliança aprovaram a implementação de cinco iniciativas sobre a defesa contra armas nucleares, biológicas e químicas, que reforçarão as capacidades da Aliança contra as armas de destruição maciça: o Protótipo dum Laboratório Destacável de Análise NBC; o Protótipo duma equipa de Reacção a Acontecimentos NBC; um Centro de Excelência virtual para a Defesa contra as Armas NBC; um Arsenal OTAN de meios para a Defesa Biológica e Química; e um Sistema de Vigilância de Doenças. A OTAN também está a reforçar as suas capacidades de defesa contra ataques cibernéticos e lançou um estudo de exequibilidade da defesa antimíssil para examinar as opções de protecção do território, forças e populações da Aliança contra toda a gama de ameaças de mísseis.
O novo conceito militar da OTAN para a defesa contra o terrorismo define quatro categorias de possível actividade militar da OTAN: o antiterrorismo; a gestão das consequências; o contraterrorismo; e a cooperação militar. Neste contexto, o antiterrorismo significa medidas defensivas para reduzir a vulnerabilidade, incluindo a resposta limitada e acções de contenção por forças militares e actividades como assegurar avisos de ameaça, manutenção da eficácia do sistema integrado de defesa aérea e fornecimento de defesa antimíssil. A gestão das consequências significa a recuperação pós ataque e envolve elementos como a contribuição para o planeamento e criação de forças, a provisão de centros de coordenação e a criação de capacidades de treino. O contraterrorismo significa o emprego de medidas ofensivas, incluindo actividades de contraforças, tanto dirigidas pela OTAN como com a OTAN a apoiar outras organizações ou coligações envolvendo Aliados. E a cooperação militar cobre, entre outras coisas, a cooperação com a Rússia, a Ucrânia, os Parceiros, os países do Diálogo do Mediterrâneo e outros países, bem como com outras organizações, incluindo a União Europeia, a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa e as Nações Unidas.
Mesmo o programa científico da OTAN, que tradicionalmente se tem centrado no encorajamento da cooperação entre os cientistas de vários países, foi revisto de forma a que agora também desenvolva esforços relevantes na defesa contra o terrorismo, especialmente no contexto do Conselho de Parceria Euro-Atlântico e do Conselho OTAN-Rússia.
Implementação
A implementação do que é um conjunto impressionante de medidas e iniciativas ainda pode revelar-se problemática. Mesmo que os países cumpram os seus compromissos, a própria OTAN terá que mudar a forma como funciona para reflectir os requisitos impostos por um novo ambiente estratégico. Embora a Aliança tenha em breve 26 membros, os seus métodos de trabalho têm-se mantido largamente inalterados em relação aos duma Aliança de 12 membros.
Também aqui a Cimeira de Praga teve um bom começo pois os dirigentes da OTAN concordaram em reduzir em 30% o número de comités - actualmente mais de 450. Outras decisões serão tomadas no futuro quanto aos comités subordinados, ficando o Conselho do Atlântico Norte com mais possibilidade de debater questões estratégicas. Os procedimentos das reuniões ministeriais também foram racionalizados, sacrificando a formalidade para ganhar tempo para debates mais substanciais. Com o passar do tempo, estas mudanças levarão a uma cultura de trabalho diferente no seio da Aliança.
A OTAN percorreu um longo caminho desde o 11/9 para poder contribuir eficazmente para a luta contra o terrorismo. Apesar disso, muitas questões relacionadas com esta luta continuam a ser controversas e pode revelar-se difícil obter consensos sobre acções concretas . Na verdade, de muitas formas, a situação actual no referente ao papel da OTAN na luta contra o terrorismo é análoga à de 1994 ou da primeira metade de 1995 no referente à execução das missões fora da área na ex-Jugoslávia. Dito isto, a divisão no seio da Aliança era provavelmente maior nos anos 90 quanto à política para a Bósnia-Herzegovina do que é hoje, embora a sua natureza seja claramente diferente actualmente porque desta vez está em jogo o interesse nacional dos Estados Unidos.
A OTAN resolveu o problema nos anos 90. Embora tenham sido precisos três anos e meio de guerra para OTAN intervir na Bósnia-Herzegovina, a Aliança actuou para pôr fim à luta no Kosovo ao fim dum ano e a OTAN interveio preventivamente na ex-República Jugoslava da Macedónia* para impedir um conflito maior. Desta forma, a Aliança demonstrou que, embora possa demorar algum tempo a adaptar-se a um novo paradigma de segurança, quando se adapta aprende depressa as lições e obtém resultados quando posta à prova.
Foi necessário o massacre de Srebrenica para convencer os Aliados dos méritos da intervenção inicial. O desafio actual, portanto, é obter consenso acerca da melhor estratégia para enfrentar a ameaça representada pelo terrorismo e pela proliferação das armas de destruição maciça sem que aconteça outra atrocidade como aquela.
Christopher Bennett é o Chefe de Redacção da "Notícias da OTAN".
http://www.nato.int/docu/review/2003/issue1/portuguese/art2.html
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Dia fatídico: Os ataques terroristas de 11 de Setembro
de 2001 tiveram enorme impacto no pensamento
estratégico da OTAN
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