sexta-feira, 2 de abril de 2010

A vida pregressa de Ariel Sharon(Continuaçâo)...




No início da década de 1970, o general Sharon, comandante do sector sul do país, dirige a luta contra os fedayin na faixa de Gaza, ocupada por Israel desde 1967. Prepara uma lista de mais de cem palestinos “procurados” e os “liquida” sumariamente, um após outro. Na mesma época, expulsa manu militari, de modo cruel e sem ordem superior, milhares de beduínos da região de Rafah, ao sul da faixa de Gaza; suas casas foram arrasadas, seus poços tapados. Aliás, em Israel, alastrou-se uma onda de protestos contra essa “política imoral” que priva dos direitos elementares uma população sob ocupação.

No final de abril de 1982, em conformidade com o tratado de paz egípcio-israelita, termina a evacuação do Sinai. O último ato é escrito por Sharon, num papel à Nero (mas sem música…): a destruição completa da cidade de Yamit, construída durante a ocupação israelita da península. Decidindo (sozinho) que o Egipto não merecia possuir essa bela cidade, o ministro da Defesa ordena sua destruição. Alguns meses mais tarde, a guerra do Líbano (desencadeada em junho de 1982) permitiria compreender melhor o fio vermelho que une a destruição de Qibya à de Yamit e à devastação provocada pelo mesmo Sharon na capital libanesa - cidade onde se encontravam, logicamente, os quartéis-generais dos fedayin, mas também centenas de milhares de cidadãos, homens, mulheres, crianças que nada tinham a ver com esse conflito.
Até Reagan protestou
A invasão do Líbano e o cerco de Beirute (1982), com bombardeios diários à capital, custaram a vida de mais de 15 mil civis, libaneses e palestinos
A guerra do Líbano”, escrevem os jornalistas israelitas Zeev Schif (Haaretz) e Ehud Yaari (da televisão israelita), “nasceu no espírito tumultuado de um certo homem, resoluto e sem limites, que arrastou toda uma nação na busca vã de objectivos em parte imaginários; era uma guerra fundada em ilusões, seu percurso semeado de tramóias e seu fim inevitável estava cheio de decepções […]. Usando uma linguagem incisiva, seria possível afirmar que, durante a preparação dessa guerra e durante seus primeiros meses, aconteceu em Israel uma espécie de golpe de Estado de um tipo pouco comum […]. Ao invés de se apoderar de instituições que são o centro das decisões de Estado ou de dissolvê-las – como fazem os golpistas comuns – Sharon elaborou uma fórmula que lhe permitiu apoderar-se do processo de tomada de decisões. Privou as instituições democráticas de seu poder de controle e de supervisão e enfraqueceu os entraves que fazem parte do sistema do poder2.”

A invasão do Líbano e o cerco de Beirute (junho-agosto de 1982) custaram a vida de mais de 15 mil civis, libaneses e palestinos. Todos os dias, os aviões atacavam a capital. No início de agosto, os bombardeios intensificaram-se a tal ponto que o presidente Ronald Reagan protestou junto a Menahem Begin contra o que classificou como “actos inadmissíveis”. O primeiro-ministro israelita tomou, então, uma iniciativa sem precedentes: retirou de seu ministro da Defesa o poder de mandar a força aérea bombardear Beirute.
Responsabilizado pelo massacre
Em setembro de 1982, foi a vez dos campos de refugiados de Sabra e Chatila: mais de mil mortos palestinos, em sua maioria mulheres, crianças e velhos

Em meados de setembro de 1982, duas semanas após a partida dos combatentes da Organização de Libertação da Palestina (OLP) da capital libanesa, Sharon e seus soldados ocupam-na, violando suas próprias promessas. Vinte e quatro horas mais tarde, os falangistas - uma milícia maronita de extrema-direita, aliada do Estado hebreu - entram, diante dos olhos e com a ajuda do exército israelita, bem como com a bênção de Sharon, nos campos palestinos de Sabra e de Chatila, ao sul da cidade. Os assassinos começam, então, a massacrar sistematicamente a população. Quanto aos soldados do general Sharon, estavam ao redor dos dois campos. Do QG israelita se avistava o cenário do massacre, um dos mais horríveis dos anais do conflito árabe-israelense3. Duas horas depois do início da matança, relatórios terríveis chegam ao comando israelita. Mas ninguém se mexe. A carnificina só pára quarenta horas mais tarde, com um balanço horroroso: mais de mil mortos, em sua maioria mulheres, crianças e pessoas idosas. Centenas de outros habitantes dos campos foram sequestrados pelos atacantes: vinte anos depois, continuam “desaparecidos”.

Uma comissão de inquérito israelita concluiu que o general Sharon foi pessoalmente responsável pelo massacre e recomendou que fosse destituído de suas atribuições de ministro da Defesa4. Assim, ele teve que abandonar esse cargo, tão cobiçado pelos militares.
As dúvidas de Ben Gurion

Philip Habib, o mediador norte-americano que organizado a retirada da OLP de Beirute, ficou furioso. “Sharon é um assassino, movido pelo ódio aos palestinos. Dei a Arafat garantias de que os palestinos [permanecendo em Beirute] não seriam tocados, mas Sharon não as cumpriu. Uma promessa desse homem não vale nada5.”

Sharon apresenta esse traço de carácter ao longo de toda a sua carreira militar e política. Mesmo David Ben Gurion, que admirava esse jovem e ousado militar, tinha dúvidas se “Arik” chegaria um dia a falar a verdade…


_____________________________________________________________________________________


(Trad.: Iraci D. Poleti)

1 - Ler, de Uzi Benziman, Sharon ne s’arrête pas au (feu) rouge (em hebraico), Editions Adam, Tel Aviv, 1985, p.62.


2 - Ler, de Zeev Schif e Ehud Yaari, Guerre trompeuse (em hebraico), Editions Schocken, Tel Aviv, 1984, p. 380.


3 - Ler, de Amnon Kapeliouk, Sabra et Chatila – inquérito sobre um massacre, ed. Seuil, Paris, dezembro de 1982.


4 - “Uma responsabilidade - escrevia a Comissão Kahane - deve ser imputada ao ministro da Defesa por haver negligenciado o perigo de actos de vingança e de massacre por parte dos falangistas contra a população dos campos de refugiados e por não ter levado em consideração o perigo quando decidiu fazer os falangistas entrarem nos campos. Além disso, uma responsabilidade deve ser imputada ao ministro da Defesa por não haver ordenado as medidas apropriadas a fim de prevenir ou reduzir o perigo de massacre como condição para a entrada dos falangistas nos campos. Essas faltas constituem um não-cumprimento da missão de que o ministro da Defesa estava encarregado.”


5 - Ler, de Patrick Seale, Assad (tradução em hebraico), Editions Maarakhot (Tsahal, Ministério da Defesa de Israel), Tel Aviv, 1993, p. 383.


http://sol.sapo.pt/blogs/yusuf/archive/2007/01/11/Jenine-2001_2D00_-A-vida-pregressa-de-Ariel-Sharon.aspx

Nenhum comentário:

Postar um comentário