sexta-feira, 2 de abril de 2010

A morte de Ahmad Yassim


Santiago, 30 de marzo de 2004

A morte de Ahmad Yassim e o terrorismo de Estado
O mundo amanheceu estarrecido na madrugada da última segunda-feira. Exatamente às 5h, um brutal ataque terrorista assassinou o fundador e líder do grupo palestino revolucionário Hamas, Ahmad Iassim. Este velho homem, de 67 anos de idade, tetraplégico e praticamente cego, foi morto a partir de mísseis disparados por helicópteros (de fabricação americana). Esse ataque matou, alem do xeque, pelo menos outras sete pessoas, seus guarda-costas e um de seus filhos e feriu gravemente outras 17 pessoas. Ahmad Iassim era o líder espiritual dos muçulmanos palestinos. Iassim acabava de sair de uma mesquita onde habitualmente fazia as suas orações matinais.

O ataque terrorista foi desfechado por ordem direta do primeiro-ministro de Israel, o fascista Ariel Sharon, que supervisionou pessoalmente todos os detalhes da operação. Isso sem falar na concordância e anuência direta do presidente dos Estados Unidos, George Bush, que, prontamente, apoiou a medida de terror e de assassinato, ainda que tivesse posto a sua assessora de segurança nacional, Condoleeza Rice para desmentir que os EUA apoiassem a medida ou que tivessem conhecimento prévio.

A reação do mundo foi imediata. Líderes de todos os países europeus pronunciaram-se contra esse tipo de atitude. Uma quase unanimidade em toda a Europa, onde a atitude foi classificada como "assassinato extrajudicial", ou seja, sumaríssimo, sem nenhum julgamento e sem nenhuma defesa. Em termos jurídicos é como se uma mesma pessoa fosse ao mesmo tempo o promotor de acusação de alguém, fosse o juiz que o julga e o condena à morte e também o carrasco que executa a sentença. O secretário-geral da ONU, Koffi Annan, condenou com veemência esse ato de terror de Estado e disse que essa atitude, mais uma vez, é a violação clara por parte de Israel de todas as normas do direito internacional.

O atentado brutal, ocorrido na região palestina chamada de Faixa de Gaza, foi também prontamente repudiada pelo povo. Mais de 200 mil pessoas desfilaram nas ruas entoando palavras de ordem contra o sionismo, o fascismo e contra o imperialismo norte-americano. Esse número para a região seria o equivalente a realizarmos em São Paulo, uma passeata com mais de dois milhões de pessoas. Uma verdadeira multidão demonstrou o seu amor por um dos mais respeitados líderes palestinos.


Divergências no governo sionistas

Não é de hoje que o governo israelense vem tomando esse tipo de atitude, ao que vem sendo chamado por analistas internacionais e "assassinatos seletivos" de líderes do povo palestino. A ação foi tomada exclusivamente por uma espécie de núcleo duro do governo direitista de Sharon, pelo chamado gabinete de segurança. Foram contra essa decisão os ministros da Justiça, Yosef Lapid e o ministro do Interior, Avraham Poraz. Também se posicionou contrário à operação terrorista, Avi Dichter, chefe do serviço de inteligência de Israel. Não que essa gente seja contra esse tipo de medida, até porque já a pratica há anos, mas a avaliação desses três membros do gabinete israelense foi de que a reação árabe e palestina seria muito grande e não compensaria os "benefícios" da operação (sic).

Em seguida a esse massacre, que viola todas as mais elementares normas de humanidade, o exército — o responsável pela operação, ao qual Sharon elogiou pela sua "brilhante" atuação — entrou em prontidão e com alerta máximo e todas as fronteiras foram fechadas.


A reação palestina

O outro velho líder palestino, que também corre risco de morte, Iasser Arafat, não só condenou os ataques, mas em nome da Autoridade Nacional Palestina, decretou luto oficial por três dias. O primeiro-ministro palestino Ahmad Korei de pronto afirmou que os israelenses não só não estão prontos para as conversas de paz, como, com esse ato covarde, estão contra qualquer negociação para a busca da paz justa e duradoura.

De fato, a expressão "as portas do inferno se abrirão", fora ouvida durante as manifestações. Declarações de guerra foram dadas por membros do Hamas, da Jihad Islâmica e mesmo do Hezbollah, que atua no sul do Líbano. Ao que tudo indica, as reações serão violentas de ambos os lados, guardadas, claro, as devidas proporções entre ações perpetradas pelo estado israelense e as operadas por jovens, homens e mulheres palestinos, que entregam seus corpos como a única arma ainda disponível nessa luta desigual contra o opressor e colonizador.

Nada indica, neste momento, que os setores moderados do Hamas e do movimento palestino, ao qual o xeque Iassim pertencia, vão moderar suas ações. Ao contrário. Apesar dos ataques a civis israelenses serem condenados por diversas facções da ANP e do movimento de resistência e de libertação da Palestina, elas vão se intensificar. Na verdade, parece que tudo foi previamente calculado pelo próprio governo de Sharon, que previu uma nova escalada de violência, levando a insegurança a toda a região. O novo líder do Hamas é o também xeque Al-Sistani, considerado de linha dura e que já prometeu retaliar contra os israelenses em qualquer parte do mundo.


Comportamento vergonhoso da mídia

Não poderíamos deixar de comentar sobre esses episódios em relação à reação da mídia sobre o assunto. Que os grandes jornais e cadeias de TV usem o termo "terrorista" de forma genérica para classificar todos os grupos de guerrilheiros e de lutadores pela libertação e emancipação até posso entender, ainda que não concorde absolutamente com isso. É natural que esses grupos defendam os interesses da grande burguesia e das classes dominantes em geral em seus próprios países. No entanto, num dia como a última segunda-feira, cujas manchetes garrafais dos principais jornais foram na linha do "Israel mata maior líder do Hamas", como saiu na Folha no dia seguinte, ocupando páginas e páginas da reportagem interna, é incompreensível e mesmo inadmissível para as pessoas de bom senso que as matérias não se refiram ao terrorismo de estado praticado pelo governo desse país.

Esse mesmo grande jornal brasileiro abriu assim o lead da matéria de sua capa da edição de terça-feira, dia 23 de março: "um ataque aéreo de Israel na faixa de Gaza matou o fundador e principal líder do grupo terrorista palestino Hamas, Ahmed Iassim" (grifos nossos). Porque um jornal do porte da Folha classifica de "terrorista" o Hamas e não faz a mesma coisa com a atitude do estado israelense? Se a palavra "terrorista" fosse colocada na frase de cima antes de Israel, ela estaria perfeita e correta, mesmo para um jornal burguês como a Folha. Mas o jornal prefere não fazê-lo, colocando seus leitores numa posição de até provável apoio às atitudes fascistas e de execução sumária de Israel.


Terrorismo de Estado e genocídio de um povo

As operações que mataram Iassim vêm ocorrendo de forma sistemática pelo menos desde 1973. Nessa época uma operação bem sucedida do exército, que infiltrou três agentes no Líbano, conseguiu matar três altos dirigentes da então OLP em Beirute, onde tinha seu quartel general. Destaca-se que o chefe de tal operação foi Ehud Barak, ex-primeiro-ministro de Israel e do Partido Trabalhista e considerado por muitos como progressista" (sic). Em 1979, foi a vez de ser morto Ali Hasan Salameh, também alto dirigente da resistência palestina. Mas, uma das mortes que mais chocou a região foi a do líder da OLP Abou Jihad, assassinado em 1988. Seu nome verdadeiro era Khalid Al-Wazir e se vivo fosse teria seguramente sucedido Arafat no comando da Organização. Tive o imenso prazer de conhecê-lo em São Paulo em 1984, durante o Congresso Palestino da América Latina e Caribe (COPLAC), realizado na Assembléia Legislativa de SP.

Essas mortes, chamadas de "assassinatos seletivos", são uma política de Estado e fazem parte da rotina e do dia-a-dia do governo israelense. Já comentamos esse tipo de atitude em colunas anteriores. Chamamos de terrorismo de estado, quando o uso da máquina pública, oficial, sua força armada estão a serviço do massacre de civis ou membros da resistência organizada de um povo na busca pela sua libertação. Isso é condenável em todos os países do mundo e não encontra base no direito internacional. Mas parece que a comunidade internacional fecha os olhos quando se trata de uma operação desse tipo feita pelo estado judeu, como chamam Israel os que se mudaram para a Palestina desde o início do século XX.

Essa prática conduzirá, seguramente, a um genocídio de um povo, o palestino. Os israelenses e seus serviços de repressão vão fazendo a chamada 'limpeza étnica" e eliminando amplas parcelas de um povo. Vai ficando cada vez mais claro que os judeus fazem com os palestinos hoje o que os nazistas fizeram contra esse povo na II Guerra Mundial entre 1939 e 1945: uma verdadeira tentativa de genocídio, de matança indiscriminada. Todas as discriminações odiosas a que foram submetidos os que professavam a fé judaica na década de 1940, agora são perpetradas contra os palestinos e muçulmanos. Um verdadeiro apartheid social e político, o extermínio de um povo.

De nossa parte, esperamos que a comunidade internacional, desta vez, tome atitudes concretas e enérgicas contra o governo fascista e sionista de Ariel Sharon. Que a ONU prontamente condene esse episódio e imponha sanções contra Israel e que a comunidade internacional faça boicotes aos produtos israelenses e que mesmo internamente nesse país, os setores do povo mais comprometidos com as mudanças e com a paz verdadeira possam se unir e derrubar, por todos os meios disponíveis, esse governo nazista e genocida de Sharon. Os palestinos vencerão.


Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho, Sociólogo, professor da Unimep e membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabes de Lisboa.

FOTO:
Os israelenses e seus serviços de repressão vão fazendo a chamada 'limpeza étnica" e eliminando amplas parcelas de um povo. Vai ficando cada vez mais claro que os judeus fazem com os palestinos hoje o que os nazistas fizeram contra esse povo na II Guerra Mundial entre 1939 e 1945: uma verdadeira tentativa de genocídio, de matança indiscriminada.

[Artigo tirado do 'Diário Vermelho' do Brasil, 25 de marzo de 2004]
http://www.galizacig.com/actualidade/200403/vermelho_a_morte_de_ahmad_yassim.htm

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