Altamiro Borges- |
O jornal Folha de S.Paulo publicou neste domingo uma aterrorizante reportagem do seu correspondente em Washington, Sérgio Dávila, sobre os mercenários dos EUA que atuam na carnificina do Iraque. “Há hoje entre 100 mil e 130 mil ‘soldados privados’, termo preferido pelas companhias que os empregam, em ação na guerra, a maioria em atividades ligadas à segurança e à defesa. O total é quase o equivalente aos 145 mil soldados norte-americanos atualmente no país. Estima-se que US$ 0,40 de cada dólar destinado ao Iraque pelo contribuinte americano pare nas mãos de uma empresa de segurança privada”, relata. A criminosa atuação destes grupos para-militares só ganhou destaque na mídia em decorrência da vitória do Partido Democrata nas eleições legislativas do final de 2006. Desde o início deste ano, a Câmara dos Representantes, agora sob o controle da oposição, investiga a sinistra atividade das empresas de segurança privada. “Nas audiências, um dos nomes mais ouvidos é o da companhia Blackwater. Desconhecida do grande público até 2004, a companhia criada pelo ex-militar e religioso conservador Erik Prince surgiu no noticiário ao ter quatro contratados carbonizados por insurgentes em Fallujah, em março daquele ano”.
Vínculos com a família Bush
Numa convenção militar na Califórnia, em 2006, Erik Prince se jactou pelos serviços prestados por sua empresa, batizando-a de “Fedex dos Exércitos”. “Quando você tem presa, não usa o correio normal, mas o Fedex. Nossa meta é ser o equivalente para o aparato de segurança nacional”. A companhia tem sólidos vínculos com a família Bush. Segundo o Wall Street Journal, foi uma das maiores doadoras da campanha presidencial de George W. Bus e atualmente tem perto de US$ 800 milhões em contratos com o governo. Outra empresa de segurança, a USIS, subsidiária da Carlyle Group, já teve Bush-pai na sua diretoria.
Segundo Sérgio Dávila, estes assassinos profissionais agem totalmente sem regras. “Diferentemente dos soldados, que respondem ao código de conduta do Pentágono, os ‘privados’ se encontram numa zona juridicamente cinzenta. Até 2007, eram regulados pela Ordem 17, assinada por Paul Bremer em junho de 2004, uma semana antes de deixar o comando provisório do Iraque. Pela disposição, nunca revogada, ‘os privados devem ser imunes ao processo legal iraquiano em relação às ações realizadas por eles enquanto a serviço de empresas’... Com quatro anos de guerra, só dois mercenários em ação no Iraque foram levados à Justiça dos EUA, um condenado por matar um civil e outro por ter pornografia infantil no computador”.
A “terceirização” da violência
O inusitado destaque da mídia hegemônica mundial e nacional para a ação criminosa das firmas privadas de segurança só confirma o desastre da invasão imperialista no Iraque – já comparado ao fiasco no Vietnã – e o desgaste do presidente-terrorista George W. Bush. Há muito que jornalistas independentes e meios alternativos de comunicação já denunciavam a “terceirização da violência”, envolvendo uma “indústria da morte” que movimenta mais de US$ 100 bilhões. No excelente “dossiê dos mercenários”, publicado pelo jornal Le Monde Diplomatique de novembro de 2004, o jornalista Philippe Leymarie deu detalhes da ação desta “nova geração de cães de guerra”, numa alusão do título do bestseller de Frederick Forsyth.
Após citar o escândalo do envolvimento de Mark Thatcher, filho da ex-dama de ferro da Inglaterra, com um grupo mercenário no Zimbábue, em março de 2004, a reportagem concluía que estes bandos estavam mais ativos do que nunca. No passado, foram “manipulados por serviços de inteligência e multinacionais” e ficaram conhecidos pela “imagem de selvageria e rapina”. Já hoje, eles são mais profissionais e servem diretamente às ambições imperialistas. “Passou-se de um mercenarismo ‘romântico’, com predominância ideológica, para um mercenarismo empresarial, com motivação financeira, que oferece amplo leque de ‘serviços’, desde o aconselhamento até a vigilância de minas e de poços de petróleo e ações de guerra”.
“Cães de guerra corporativos”
Outra reportagem elucidativa sobre a ação destas “empresas de segurança” foi publicada na revista Carta Capital, em julho de 2003. Assinada por Walter Fanganiello e intitulada “os cães de guerra corporativos”, ela denunciava que “essas multinacionais contam nos seus quadros com generais reformados, plenos de experiências adquiridas em diversos campos de batalha e carregados de medalhas por bravura. Essas sociedades comerciais são chamadas de Private Military Companies (PMC). Não fossem as formalidades e as cláusulas dos contratos sociais de constituição – que as colocam na legalidade como pessoas jurídicas –, elas poderiam ser confundidas e passar por associações hierarquizadas de mercenários”.
“As PMC são muito requisitadas pelos grupos econômicos que exploram, pelo Terceiro Mundo, rendosas atividades extrativas. Os mencionados grupos sentem a necessidade de proteger a posse de áreas e os seus prepostos”. Entre outros casos de empresas de violentos mercenários, o autor cita a Military Professional Resources Inc (MPRI), que treinou e monitorou os bandos armados de separatistas da ex-Iugoslávia e que atua até hoje no combate à guerrilha na Colômbia. No final, o jornalista ainda alerta: “Muitas dessas PMC ambicionam prestar serviços nos morros do Rio de Janeiro, na Tríplice Fronteira e na região amazônica”.
“Máquina de destruição e morte”
Por último, vale citar a recente reportagem de Juan Carlos Guerrero, da agência Prensa Latina, que trata especificamente da ação destas gangues no Iraque. Com base em dados do próprio governo fantoche deste país, ele informa que já existem 236 companhias de segurança privada, estrangeiras e iraquianas, atuando nesta devastada nação. “Destas, cerca de 200 são consideradas ilegais, por carecerem de registro e terem ‘funções’ desconhecidas. A maioria está implicada em ações terroristas que são colocadas na conta da resistência iraquiana”. Os mercenários são contratados em várias partes do mundo – inclusive no Brasil.
“Não importa sua origem; são mais de 100 mil homens bem adestrados no ofício de matar por dinheiro... Suas obrigações laborais estão focadas na seguridade pessoal de políticos iraquianos e estadunidenses e de homens de negocio e na segurança de instalações petroleiras e militares. Muitos destes serviços, de que pouco se fala, estão ligados à construção de bases, interrogatórios e combates diretos. Eles são acusados de intervir em operações secretas dos organismos de inteligência dos EUA e em outros trabalhos sujos destinados a promover o terror, o medo, as diferenças religiosas e, inclusive, a organização de esquadrões da morte para semear o caos... São elementos especializados nas tenebrosas artes da subversão”.
“Um negócio vantajoso”
O uso destes “serviços” cresceu a partir das dificuldades encontradas pelos militares dos EUA no Iraque. O número de mercenários quadruplicou em quatro anos, pulando de 48 mil ‘soldados privados’, em 2003, para mais de 100 mil nos dias atuais, segundo dados da própria Oficina Geral de Contabilidade (GAO). A utilização destes grupos serve ainda para reduzir as estatísticas oficiais de baixas desde a invasão do país em março de 2003. O Departamento do Trabalho dos EUA estima que mais de 650 “funcionários” foram mortos pela resistência iraquiana. “Para o Exército e o governo dos EUA o negócio é muito vantajoso. Os mercenários são simples assalariados em busca de fortuna, quando morrem não engrossam a lista oficial de baixas na guerra, não estão envoltos em discussões legais e nem são alvo da pressão pública”.
Guerrero também destaca a ação da Blackwater, “empresa especializada em contraterrorismo e combates urbanos, uma das maiores em operação no Iraque. Ela tem um exercito multinacional de 3 mil membros e é considerada a maior base militar privada no mundo, com campos de treinamento sofisticados, dezenas de aviões e vínculos estreitos com as altas esferas do Pentágono e da Casa Branca”. Além da contratação de treinamento de mercenários, a Blackwater também vende equipamentos bélicos para os EUA e ajuda na “reconstrução” do Iraque, prestando serviços para corporações como a Lockheed, General Dynamics e a famosa Halliburton – empresa de petróleo e armamentos vinculada ao vice-presidente Dick Cheyne.
Todas estas “empresas privadas” são teleguiadas pela sinistra agência de inteligência dos EUA. Em 2005, oficiais da CIA revelaram ao Washington Post que 50% do orçamento da agência, quase US$ 20 bilhões, foram destinados para pagar os ‘contratistas’. A própria CIA estima que as despesas com estes serviços dobrem até 2010. Estes recursos, provenientes dos tributos dos estadunidenses, são usados para financiar “uma máquina de destruição e morte”. Guerrero encerra seu excelente artigo lembrando que, “embora o fenômeno do mercenarismo não seja novo, ele cresceu com a chegada de Bush a Casa Branca”.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Venezuela: originalidade e ousadia” (Editora Anita Garibaldi, 3ª edição).
Nenhum comentário:
Postar um comentário